Quando a ajuda se torna armadilha: Gaza, Israel e a banalização do mal

No calor sufocante de Gaza, onde o pão escasseia e a sede já se tornou crónica, a morte chega agora também às filas de ajuda alimentar. Segundo um relatório recente do jornal israelita Haaretz, soldados israelenses terão sido instruídos a disparar contra civis desarmados que apenas procuravam sobreviver. Esta revelação, feita por militares no terreno, lança uma sombra densa sobre a conduta das forças de defesa de Israel e exige uma resposta urgente da comunidade internacional.

O relato: entre o horror e a rotina

De acordo com os testemunhos divulgados pelo Haaretz, soldados posicionados perto de centros de distribuição de ajuda humanitária em Gaza relataram ordens diretas para abrir fogo contra multidões famintas. Disseram ter disparado metralhadoras de tanques, lançado granadas, e matado diariamente entre “uma e cinco pessoas”, em zonas onde não havia qualquer ameaça militar visível.

“É um campo de matança”, resumiu um soldado. Esta frase, vinda de quem empunha a arma e carrega o uniforme, dispensa adjetivos.

A linha ténue entre segurança e barbárie

Ninguém nega que Israel tem direito à sua segurança. Mas esse direito não pode ser exercido à custa da total desumanização do povo palestiniano. Atirar a matar sobre pessoas que esperam por arroz, farinha ou água é atravessar uma fronteira perigosa — a que separa a autodefesa da barbárie. E quando essa transgressão se torna sistemática, institucional, e justificada por discursos oficiais, entramos no terreno do crime de guerra.

O silêncio cúmplice e a manipulação da ajuda

O episódio ganha contornos ainda mais inquietantes quando sabemos que os pontos de distribuição de ajuda onde ocorreram os massacres são geridos pela Fundação Humanitária de Gaza (GHF) — uma entidade criada com apoio israelita e norte-americano. Não é apenas o bloqueio que mata: é a manipulação cínica da própria ajuda, transformada num instrumento de controlo e punição coletiva.

A ajuda deixa de ser um gesto humanitário e torna-se uma armadilha: atrai, expõe, e executa.

O papel do Ocidente: entre o financiamento e a negação

Enquanto os Estados Unidos aprovam pacotes adicionais de financiamento militar a Israel, e a União Europeia se limita a apelos diplomáticos estéreis, bebés morrem à fome em Gaza. A verdade é desconfortável: o que se está a passar tem traços de limpeza étnica, e talvez já tenha ultrapassado esse limiar. O termo genocídio não deve ser usado de ânimo leve — mas ignorar os sinais é repetir os erros do século XX.

Uma questão moral para todos nós

O que fazemos com esta informação? Ficamos em silêncio? Partilhamos nas redes sociais e voltamos ao conforto dos nossos dias? Ou assumimos uma posição crítica, clara, contra a banalização do mal, onde quer que ele ocorra?

Não se trata de ser pró-palestiniano ou pró-israelita. Trata-se de ser pró-humano. De não fechar os olhos quando civis famintos são deliberadamente abatidos. De exigir que as instituições internacionais deixem de medir crimes em função de interesses geoestratégicos.

Conclusão: Gaza como espelho

Gaza já não é apenas uma tragédia à distância. É o espelho onde se reflete a nossa falência moral enquanto comunidade internacional. Quando a fome e a esperança se tornam alvos a abater, não é apenas o povo palestiniano que perde: é a humanidade inteira que se degrada.


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