Trump Quer que o Mundo Pague… Mas Quem Acaba a Pagar São os Americanos

As Tarifas, o Protecionismo e a Realidade Económica por Detrás da Retórica

As recentes declarações de Donald Trump, ao afirmar que "todas as verbas serão devidas e para começar a pagar a 1 de agosto de 2025"¹, reacendem o debate sobre o protecionismo económico e as suas consequências reais. À primeira vista, a mensagem parece clara: os países que foram alvo de tarifas comerciais terão agora de saldar contas com os Estados Unidos. Mas será mesmo assim?


A "dívida" que afinal não existe

Quando Trump fala em "verbas devidas", refere-se a tarifas alfandegárias — ou direitos de importação — aplicadas a produtos estrangeiros. Porém, há um ponto fundamental que importa esclarecer: estas tarifas não são uma dívida acumulada por países exportadores, como se houvesse um pagamento pendente a fazer ao Tesouro americano.

Na prática, quem paga estas tarifas são os importadores nos Estados Unidos — empresas ou indivíduos que compram bens do exterior. São eles que, ao entrarem com os produtos no país, liquidam as taxas alfandegárias. Nenhum governo estrangeiro ou empresa exportadora envia dinheiro diretamente aos EUA. O encargo é, portanto, interno².


Quem suporta o verdadeiro custo?

O objectivo das tarifas é proteger a indústria nacional, encarecendo os produtos importados e tornando-os menos competitivos. Supõe-se que os consumidores americanos, perante preços mais altos dos bens estrangeiros, escolham alternativas produzidas internamente. Mas a realidade económica é bem mais complexa — e irónica:

  • Importadores penalizados: As empresas americanas que dependem de produtos estrangeiros enfrentam aumentos significativos nos custos de aquisição.

  • Consumidores sobrecarregados: Para manter as margens de lucro, os importadores repassam esses custos para os preços finais. Resultado? Produtos como vestuário, eletrónica ou automóveis tornam-se mais caros nas lojas.

  • Indústria nacional prejudicada: Se as tarifas recaem sobre matérias-primas essenciais — como o aço ou o alumínio — também as empresas americanas que dependem dessas matérias enfrentam maiores custos de produção. Isso compromete a sua competitividade internacional, prejudica exportações e pode conduzir à perda de postos de trabalho³.

📌 Em 2018, por exemplo, os EUA impuseram tarifas de 25% sobre o aço importado da China. A consequência foi o encarecimento de produtos americanos e dificuldades para sectores como a construção civil e a indústria automóvel⁴.


O caso extremo: medicamentos com tarifa de 200%

Um exemplo particularmente alarmante seria a aplicação de uma tarifa de 200% sobre produtos farmacêuticos importados⁵. Tal medida teria um impacto dramático e profundamente negativo para os consumidores, com consequências que se estenderiam muito além do simples aumento de preços.

Impacto direto no preço e acessibilidade

  • Triplicação dos preços: Um medicamento que custasse 100 dólares passaria a custar 300 dólares (o preço original mais 200% de imposto).

  • Encargos insustentáveis: Para milhões de americanos com doenças crónicas ou necessidades terapêuticas contínuas, esses preços seriam incomportáveis. Os EUA já lideram o ranking dos medicamentos mais caros do mundo — uma tarifa desta dimensão agravaria drasticamente a situação⁶.

  • Acesso comprometido: A acessibilidade a medicamentos vitais seria severamente afetada, levando a piores desfechos de saúde, maior mortalidade evitável e uma ameaça séria à saúde pública.

Impacto na cadeia de abastecimento

  • Escassez: Muitas empresas farmacêuticas dependem de ingredientes e componentes importados (especialmente da China e da Índia). Um aumento de custos desta magnitude poderia gerar interrupções na produção e causar escassez de medicamentos em farmácias e hospitais⁷.

  • Medicamentos genéricos em risco: Estes, mais acessíveis e usados em larga escala, dependem fortemente de matérias-primas importadas. Seriam dos primeiros a ser atingidos.

  • Produção interna não é solução imediata: Repatriar a produção para os EUA exigiria anos e investimentos gigantescos. No curto prazo, a desorganização do mercado seria inevitável.

Outras consequências

  • Aumento das despesas de saúde: Os sistemas de seguros — públicos e privados — veriam os seus custos disparar, o que se traduziria em prémios mais elevados para todos.

  • Mercado paralelo e falsificação: Preços proibitivos incentivam mercados ilegais e a circulação de medicamentos falsificados, com riscos enormes para a saúde.

  • Menos inovação: A incerteza e os custos elevados podem retrair o investimento em investigação e desenvolvimento.

👉 Em suma, uma tarifa de 200% sobre medicamentos seria uma catástrofe para a saúde pública e para o bem-estar económico dos americanos. Colocaria milhões em risco, agravaria desigualdades e traria instabilidade a um sector vital da sociedade.


A retórica vs. a realidade

A linguagem utilizada por Trump — “verbas devidas pelos países” — é enganosa. Serve uma narrativa política de confrontação e controlo: a ideia de que os EUA estão a "ganhar" no comércio internacional e a obrigar os outros a "pagar". Mas, economicamente, a verdade é outra: são os próprios americanos que suportam o peso das tarifas⁸.

Os países visados não pagam diretamente; o que sofrem é uma perda de competitividade no mercado americano. Os seus produtos tornam-se demasiado caros para os compradores nos EUA, o que leva à redução das encomendas. O prejuízo existe, sim, mas não toma a forma de uma factura a liquidar — apenas de oportunidades perdidas.


Um bumerangue económico

Num mundo globalizado, as políticas protecionistas funcionam muitas vezes como bumerangues: lançadas para atingir o exterior, acabam por voltar, com força, contra o próprio emissor. O que começa por parecer uma medida de defesa da economia nacional pode, afinal, fragilizar sectores inteiros, reduzir o poder de compra dos consumidores e encarecer a vida das famílias.

É fundamental compreender esta dinâmica. Porque, quando se fala em tarifas, não se trata de um conflito entre “eles” e “nós” — trata-se, muitas vezes, de nós contra nós próprios.


📚 Notas de rodapé

  1. Politico, 8/07/2025 – Trump: All payments will be due on August 1

  2. National Bureau of Economic Research – Who Pays for the Tariffs?

  3. Tax Foundation – Tariffs: What Are They Good For?

  4. S&P Global – Impact of Tariffs on US Industry

  5. Barron’s – Trump’s 200% Drug Tariff Warning

  6. OECD – Pharmaceutical Spending Trends

  7. FDA & Health Affairs – Drug Shortages and Supply Chain Risks

  8. AG Metal Miner – U.S. Importers, Not Foreign Exporters, Pay Tariffs

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