Liberdade a Duas Cores


Nos finais dos anos 60, Portugal vivia de cabeça baixa.
Mas eu andava de olhos abertos. Trabalhava de dia, estudava à noite. E entre um turno e uma aula, desenhava.

Este desenho foi o separador do meu dossier escolar.
Feito com duas canetas BIC — uma preta e outra vermelha.
Materiais modestos, como tudo era na altura. Mas o que ali está… não é modesto.
É um grito disfarçado.

Chamei-lhe Liberdade.


O desenho mostra um cavalo — ou o que podia ser um — numa paisagem estranha.
Frente a frente com uma árvore seca, retorcida, quase hostil.
O sol está ao fundo, mas não aquece. Está preso entre linhas duras, como grades.

E o cavalo… inclina o pescoço.
Toca na árvore.
Ou desafia-a.


Fiz este desenho em silêncio. Num tempo em que os desenhos também podiam ser perigosos.
Em França, o Maio de 68 explodia com protestos, barricadas, poesia nas paredes.
Por cá, bastava um risco fora do traçado — e arriscavas uma visita que não pediste.

Não sei se, aos olhos da censura, este cavalo seria subversivo.
Mas sei o que sentia quando o desenhei:
que havia coisas que não podiam continuar como estavam.
E eu, que mal tinha tempo para dormir, encontrei tempo para isto:
para riscar papel com vontade.


Era apenas um separador escolar.
Mas para mim, era um manifesto.
Feito de BIC. E de inquietação.























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