Universo 25: A Última Colónia Humana
Ano 2137.
A Terra encontrava-se exausta:
clima desregulado, recursos escassos, sociedades colapsadas.
Num
esforço desesperado para preservar a espécie, a Federação Humana
de Sobrevivência ativou o projeto experimental Universo 25-H
— uma colónia-modelo, isolada, automatizada e… perfeita.
O local era subterrâneo, simétrico, climatizado.
Nada era
deixado ao acaso:
Nutrição balanceada entregue por braços robóticos
Abrigos individuais com regulação emocional integrada
Entretenimento ilimitado por óculos de imersão neural
Nenhum predador. Nenhuma ameaça.
Tudo sob controle.
📈 Fase I — Crescimento
Foram introduzidos 120 humanos cuidadosamente selecionados, entre
20 e 35 anos, férteis, saudáveis e educados.
Durante os
primeiros anos, a população aumentou de forma constante.
Os
nascimentos eram planeados. Os conflitos, resolvidos por mediação
artificial.
O sexo era consensual, supervisionado e
estatisticamente otimizado.
O ambiente era seguro. Quase…
estéril.
📉 Fase II — Estagnação
Por volta do ano 12, começaram os primeiros sinais.
Casais deixaram de se formar.
Os nascimentos caíram drasticamente.
A maioria dos indivíduos jovens preferia interações virtuais com entidades geradas por IA — mais previsíveis, menos exigentes.
As zonas comuns começaram a esvaziar-se.
O silêncio, antes
reconfortante, tornou-se ensurdecedor.
Já ninguém se
tocava.
Já ninguém precisava de ninguém.
⚠️ Fase III — Degeneração Social
A agressividade não surgiu como violência física, mas como desintegração emocional.
Pequenos grupos passaram a ignorar todos os outros.
A maioria isolava-se.
Alguns repetiam gestos sem sentido — rotinas motoras vazias, murmúrios, posturas imóveis diante dos painéis de estímulo.
Os nascidos após o ano 15 não desenvolviam empatia.
Evitavam
o contacto desde bebés.
Comiam. Dormiam. Cresciam.
Mas não
formavam laços.
☠️ Fase IV — Colapso
A última criança nasceu no ano 28.
Morreu no ano 32, por
inanição silenciosa.
Tinha acesso à comida. Mas ninguém a
alimentou.
Ninguém reparou.
Todos estavam ocupados a
existir sem sentido.
No ano 40, a colónia estava intacta.
Limpa. Funcionante.
Mas
vazia.
📜 Nota final do relatório:
"O Universo 25-H não falhou por falta de recursos, mas por ausência de propósito.
A segurança absoluta gerou apatia.
A ausência de dor, ausência de vínculo.
Os humanos sobreviveram ao caos.
Mas não sobreviveram à perfeição."
O Observador do Silêncio
Registo de Missão: Ano 3157
Local:
Complexo Subterrâneo “Universo 25-H”
Categoria:
Relatório Arqueo-Comportamental
Estado da
Estrutura: Intacta
Estado da Espécie Humana no
Local: Extinta
Entrámos hoje no que restava do Projeto Universo 25-H —
uma colónia experimental humana concebida para ser
perfeita.
Alimentação garantida.
Habitação
confortável.
Temperatura ideal.
Entretenimento
infinito.
Ausência total de predadores, perigos, conflitos.
O
paraíso — desenhado em laboratório.
No interior: silêncio.
Não há sinais de luta.
Não há
corpos.
Não há gritos.
Mas há ausência.
E há
memória.
As máquinas continuam a operar.
Distribuem refeições que
ninguém pede.
Limpam corredores onde ninguém passa.
Reproduzem
programas para olhos que já não existem.
Os dados do último ciclo registado indicam:
Interação humana reduzida ao mínimo.
Supressão do contacto físico.
Isolamento crescente.
Queda total da natalidade após o ciclo 27.
Comportamentos repetitivos, solitários, sem finalidade.
Encontrámos um terminal com esta anotação final:
“Ainda vivem. Mas deixaram de querer.”
“O tempo não passa. As pessoas sim.”
“Tudo está disponível. E por isso… nada é desejado.”
📜 Interpretação:
A colónia não colapsou por fome, nem por guerra.
Colapsou
por excesso de previsibilidade.
Por falta de
imprevisibilidade, de desafio, de risco.
Por saciedade
absoluta.
Por ausência de sentido.
Como no antigo experimento dos roedores, realizado séculos antes,
o colapso não veio de fora.
Veio do interior —
comportamental, emocional, existencial.
✅ Conclusão:
Universo 25-H não morreu por escassez.
Morreu de saciedade.
O humano, privado de necessidade, esqueceu o desejo.
E no silêncio perfeito… extinguiu-se.
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------
O que aconteceu de facto no Universe 25 (de John B. Calhoun):
Os ratos viviam num ambiente fechado, seguro e com recursos ilimitados: comida, água, abrigo, temperatura estável, sem predadores.
No início, prosperaram. A população cresceu rapidamente.
Mas, quando o espaço social começou a esgotar-se (não o físico, mas o psicológico/comportamental), surgiram distúrbios profundos:
😠 Comportamentos anómalos registados:
Violência sem propósito — ataques entre indivíduos, mesmo sem disputa por recursos.
Fuga dos papéis sociais — mães deixavam morrer as crias; machos deixavam de defender território.
Isolamento — alguns ratos viviam sozinhos, evitavam contacto, passavam o tempo a limpar-se obsessivamente (Calhoun chamou-lhes “os bonitos”).
Declínio reprodutivo — fêmeas paravam de engravidar; machos deixavam de acasalar.
Extinção gradual — mesmo com recursos, a colónia perdeu coesão social até à morte total.
🧠 Conclusão de Calhoun:
Não foi a escassez, mas a superabundância e a ausência de desafio real que destruíram a sociedade.
Sem estrutura, sem função, sem conflito produtivo, o comportamento social entrou em colapso.
Ele chamou-lhe “morte comportamental”.
Comentários
Enviar um comentário