A História Repete-se?


Em 2003, o mundo assistiu à invasão do Iraque por uma coligação liderada pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido. A justificação apresentada parecia inquestionável: o regime de Saddam Hussein possuía armas de destruição maciça (ADM) e mantinha ligações perigosas com a Al-Qaeda. Vinte anos depois, sabemos que nenhuma destas alegações resistiu à investigação séria.

O chamado Relatório Duelfer, produzido pelo Iraq Survey Group entre 2004 e 2005, concluiu de forma inequívoca: não existiam ADM em 2003. Saddam tinha, de facto, desmantelado os seus programas militares após a Guerra do Golfo em 1991. A “intenção futura” de os retomar, tantas vezes invocada, não passa disso mesmo — uma intenção sem meios, que em nada justificava uma guerra preventiva.

Do mesmo modo, as alegadas ligações entre o regime iraquiano e a Al-Qaeda foram desmentidas por múltiplas fontes, incluindo a Comissão do 11 de Setembro e, anos mais tarde, o próprio Pentágono. Saddam era um ditador secular que via o fundamentalismo islâmico como uma ameaça ao seu poder — não como um aliado.

Apesar disso, a guerra avançou. Milhares de civis morreram, o país mergulhou no caos, e os extremismos que hoje conhecemos (como o Estado Islâmico) nasceram precisamente desse vácuo de poder criado pela ocupação.

Pior ainda: os líderes que venderam esta guerra ao mundo com promessas e certezas acabaram por admitir, em voz baixa, que as provas eram frágeis ou mesmo falsas. Tony Blair falou em “informação defeituosa”. Colin Powell, que levou o argumento às Nações Unidas, chamou-lhe “uma mancha” na sua carreira.

E agora, vinte anos depois… a história repete-se?

Talvez não da mesma forma. Mas os padrões repetem-se. A mesma construção de narrativas simplificadas. O mesmo uso da “ameaça existencial” como justificação para ações desproporcionadas. O mesmo desprezo por soluções diplomáticas. E a mesma complacência dos media, tantas vezes mais interessados no ruído do que no escrutínio.

Vemos isso em Gaza, onde se invoca o direito à defesa para justificar bombardeamentos que atingem hospitais e campos de refugiados. Vimos isso na retórica constante sobre o Irão, alimentada há anos com alarmismos sobre uma bomba nuclear sempre “a poucas semanas” de ser construída. Vemos isso na manipulação da informação em tempo de guerra — seja na Ucrânia, no Iémen ou noutros conflitos menos mediáticos.

A verdade é esta: as guerras de hoje continuam a ser vendidas com as mentiras de ontem.

O que podemos fazer?

Lembrar. Exigir provas. Questionar. Escrever. Recusar a normalização do absurdo.

A história só se repete quando esquecemos as lições que ela nos deixou. E a guerra do Iraque foi uma dessas lições: um aviso amargo sobre o poder da manipulação, da pressa e da cegueira voluntária.

Hoje, mais do que nunca, vale a pena perguntar — e perguntar alto — antes que seja tarde: estamos a cair na mesma armadilha?

O que ficou claro, com provas e confissões:

  1. Não havia ADM.

    • O Relatório Duelfer foi taxativo.

    • Saddam tinha intenções, sim, mas não capacidades.

    • A ideia de "intenção futura" não justifica uma guerra preventiva.

  2. Não havia ligações reais com a Al-Qaeda.

    • A tentativa de colar Saddam a Bin Laden foi fabricada.

    • O próprio Pentágono desmontou essa narrativa.

  3. As justificações públicas foram manipuladas.

    • Blair, Powell e outros reconheceram o erro.

    • Mas já depois de milhares de mortos e um país destruído.

  4. As consequências foram devastadoras:

    • Um vácuo de poder que alimentou o ISIS.

    • Um país mergulhado em violência.

    • Uma lição amarga sobre desinformação institucionalizada.


A história repete-se?

Não literalmente, mas o padrão repete-se. E é aí que reside o perigo.

  • Narrativas de ameaça iminente voltam a surgir em contextos de tensões com o Irão, a China, ou na questão de Gaza.

  • Demonização de regimes ou grupos, com base em relatórios de inteligência “secretos” ou fontes não confirmadas.

  • Reações militares desproporcionadas sem estratégia para a paz.

  • Falta de responsabilização política e mediática — os responsáveis por guerras injustificadas raramente sofrem consequências reais.


📌 Situações atuais com paralelos inquietantes:

  • Gaza (2023-2024):

    • A justificação do “direito à defesa” foi usada por Israel para bombardeamentos maciços, muitas vezes com alvo civil, escolas, hospitais.

    • Tal como no Iraque, a narrativa oficial é contestada por ONGs e relatórios independentes.

  • Irão e as alegações nucleares:

    • A retórica sobre "o Irão estar a semanas de produzir uma bomba" tem sido usada durante mais de uma década — com pouca ou nenhuma prova conclusiva.

  • Ucrânia e desinformação de guerra:

    • A guerra híbrida, incluindo manipulação informativa, tornou-se uma arma tão importante como os tanques.


🤔 O que aprendemos?

Infelizmente, pouco. Porque:

  • A opinião pública é volátil.

  • Os media nem sempre fazem o seu papel de escrutínio.

  • A máquina da guerra tem interesses próprios.

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