Irão: O Regime, o Átomo e o Futuro em Aberto
Ao abordarmos o complexo dossiê nuclear iraniano, é crucial resistirmos à tentação das simplificações ideológicas. Criticar a retirada dos EUA do JCPOA (o acordo nuclear) não é, de todo, sinónimo de defender o regime iraniano. Pelo contrário, é perfeitamente possível — e, na verdade, necessário — separar a análise estratégica da avaliação moral ou política de um regime que continua a merecer sérias críticas, tanto a nível interno quanto internacional.
Um Regime Teocrático Sob Pressão Crescente
O Irão é, por definição, uma república teocrática onde o poder último não reside num presidente eleito, mas sim no Líder Supremo. A repressão contra dissidentes, mulheres, artistas, jornalistas e minorias religiosas tem-se intensificado dramaticamente nos últimos anos. Os protestos em massa que eclodiram após a morte de Mahsa Amini, em 2022, foram apenas o sintoma mais visível de uma sociedade que se mostra cada vez mais cansada de ser vigiada, punida e silenciada.
No exílio, as vozes iranianas continuam a mobilizar apoios e a sonhar com uma alternativa para o seu país. A possibilidade de uma mudança de regime, embora ainda incerta, já não pode ser totalmente descartada. Este descontentamento interno é um fator crucial na equação iraniana.
A Obsessão Nuclear: Estratégica ou Suspeita?
É natural que muitos se interroguem: por que razão um país tão rico em petróleo e gás natural insiste em desenvolver um programa nuclear civil tão dispendioso?
As explicações oficiais de Teerão são conhecidas: diversificar a matriz energética para garantir autonomia a longo prazo, libertar mais petróleo para exportação e desenvolver capacidades tecnológicas avançadas com fins civis e científicos. Contudo, a verdade é que nenhum destes argumentos é plenamente convincente, sobretudo tendo em conta os custos colossais, os riscos geopolíticos e a resistência interna que um projeto desta dimensão acarreta.
É por isso que muitos observadores — e com razão — suspeitam de uma intenção latente de obter capacidade militar nuclear. Não necessariamente para usar, mas sim para negociar poder e dissuasão, à semelhança do que vemos em Israel ou no Paquistão. O próprio conceito de “tempo de ruptura” parte do princípio de que o conhecimento já existe; falta apenas a decisão política.
O Futuro: Mudança Interna e Desafios Externos
A pressão sobre o regime iraniano está a aumentar de duas frentes distintas:
Internamente, cresce o descontentamento de uma juventude conectada, educada, urbana e cada vez mais intolerante à repressão e à falta de liberdade.
Externamente, o Irão continua a ser visto como um elemento desestabilizador na região. Não apenas pelo seu programa nuclear, mas também pelo seu apoio a milícias e grupos armados na Síria, no Líbano, no Iraque e no Iémen, o que agrava as tensões regionais e as relações com o Ocidente, especialmente devido ao impacto das sanções económicas impostas.
Esta combinação explosiva cria um cenário volátil, mas também potencialmente fértil para a mudança. A grande questão é saber se essa mudança virá de dentro do próprio Irão, impulsionada pelo seu povo, ou se será imposta de fora — e, nesse caso, com que consequências imprevisíveis.
Conclusão: Entre a Realidade e o Desejo
Criticar a política ocidental em relação ao Irão não deve ser encarado como um gesto de complacência com um regime autoritário. É, antes, uma tentativa de pensar de forma mais estratégica, mais consequente e menos impulsiva.
O futuro do Irão pertence, antes de mais, ao seu povo. Mas o resto do mundo tem a responsabilidade de não piorar esse futuro com decisões precipitadas ou estratégias cegas, como a que rasgou o JCPOA sem oferecer uma alternativa viável e construtiva. O desafio é encontrar um equilíbrio entre a pressão necessária e a diplomacia que permita um caminho para a estabilidade e, quem sabe, para uma maior liberdade no Irão.
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