JCPOA: Uma Retirada que Comprometeu a Segurança Global
Quando se avalia uma decisão de política externa, há muitas métricas possíveis: ganhos económicos, alianças estratégicas, fidelidade ideológica ou promessas eleitorais. Mas se isolarmos a segurança global como critério primordial — acima de tudo o resto — então a decisão de Donald Trump de retirar unilateralmente os Estados Unidos do acordo nuclear com o Irão (JCPOA) em 2018 revela-se uma falha política grave, cujos efeitos continuam a comprometer a estabilidade mundial.
A Segurança Global como Referência Absoluta
Visto sob o prisma exclusivo da segurança internacional, o abandono do JCPOA é quase indefensável. Eis porquê:
1. Proliferação Nuclear Acelerada
O Irão, libertando-se das restrições do acordo, acelerou o enriquecimento de urânio e desenvolveu centrífugas mais avançadas. O “tempo de ruptura” — o período necessário para produzir material físsil suficiente para uma arma — diminuiu drasticamente. Ou seja, o Irão está hoje mais perto da bomba do que estaria se o acordo tivesse sido mantido. Esta é uma ameaça direta e grave à segurança global.
2. Risco Acrescido de Conflito Armado
Com o Irão mais próximo de obter capacidade nuclear militar, a probabilidade de uma ação militar preventiva por parte de Israel — ou dos próprios EUA — aumentou substancialmente. Um ataque ao Irão arrastaria toda a região para o caos, podendo escalar rapidamente para um conflito de grandes proporções, com impacto devastador na economia global e na segurança internacional.
3. Erosão da Credibilidade Diplomática
Ao abandonar um acordo que estava a ser cumprido — confirmado pela Agência Internacional de Energia Atómica — os EUA fragilizaram toda a arquitetura internacional de não-proliferação. Passaram a mensagem de que os compromissos multilaterais podem ser descartados ao sabor da política interna. Isto mina a confiança em futuros acordos e enfraquece o sistema que, apesar de imperfeito, tem impedido a disseminação de armas nucleares desde a Guerra Fria.
4. Desestabilização Regional Crónica
Desde então, o Médio Oriente mergulhou numa nova fase de instabilidade: ataques a petroleiros, drones abatidos, sabotagens, assassinatos de figuras-chave e um clima permanente de confronto. A decisão de Trump funcionou como um fósforo lançado num barril de pólvora — e o fumo ainda não assentou.
Política Real vs. Consequências Reais
É evidente que nenhum líder decide exclusivamente com base na segurança global. Há pressões internas, interesses estratégicos, ideologias, egos e eleições. Mas a política internacional exige visão, responsabilidade e uma consciência profunda do impacto a longo prazo.
Trump apresentou a sua decisão como uma demonstração de força. Na realidade, foi um ato de fraqueza estratégica, que sacrificou um instrumento de controlo efetivo por um gesto de confronto vazio. E o mundo ficou mais inseguro.
Conclusão: Uma Métrica, Um Veredito
Se aceitarmos que a segurança global é o objetivo supremo da diplomacia contemporânea, então o abandono do JCPOA foi um erro crasso — não apenas dos EUA, mas da ordem internacional que permitiu que isso acontecesse sem alternativa. O mundo ficou mais perto de um conflito nuclear, os esforços de não-proliferação foram debilitados, e a instabilidade no Médio Oriente tornou-se regra, não exceção.
A história julgará este episódio. Mas o presente já traz sinais suficientes de que, nesta métrica, foi uma decisão falhada com custos reais.
O que aconteceu foi o seguinte: antes da saída dos EUA do JCPOA, o Irão estava a cumprir o acordo, e o chamado “tempo de ruptura” (ou seja, o tempo necessário para produzir material físsil suficiente para uma bomba) era superior a um ano — um dos principais objetivos do acordo era precisamente garantir essa margem de segurança.
Quando Trump decidiu retirar os EUA do acordo em 2018, reimpondo sanções unilaterais severas, o Irão, em resposta, começou gradualmente a violar os limites definidos no JCPOA, nomeadamente:
Aumentou o nível de enriquecimento de urânio (ultrapassando os 3,67% permitidos);
Instalou centrífugas mais avançadas;
Acelerou a produção de material nuclear sensível.
Como resultado direto dessas ações, o tempo de ruptura encolheu drasticamente — para alguns meses, ou até semanas, segundo estimativas de agências ocidentais. Ou seja, o risco que serviu mais tarde como justificação para uma eventual ação militar preventiva foi, em grande medida, criado pela própria decisão de abandonar o acordo.
É um caso clássico de profecia autorrealizável: ao tentar resolver um problema, criou-se exatamente o cenário que se pretendia evitar.
Comentários
Enviar um comentário