O Vazio Que Tem Forma
Há silêncios que não são ausência.
São uma espécie de
presença discreta.
O vazio que tem forma é assim:
não
grita, não pesa, mas ocupa espaço — um espaço que se sente.
Recordo-me de um desenho antigo, feito à mão, durante uma pausa
no escritório.
Um portão de ferro forjado, entreaberto.
De
um lado, a saída do Nada.
Do outro, a entrada para Coisa
Nenhuma.
Surreal? Talvez.
Mas naquele traço havia verdade.
E espanto. E um sorriso contido da colega do lado que nunca me
esqueci.
Vivemos rodeados de matéria e movimento.
Mas é nas margens
do real que habitamos muitas vezes.
Entre o que não existe…
e
o que só existe como ideia.
A memória de algo que nunca chegou a acontecer.
A esperança em coisas que não têm nome.
A convicção de que devia haver qualquer coisa mais.
E o medo de que não haja.
Essas não são ilusões.
São territórios
interiores, onde se constrói o que somos.
🧭 E quanto ao sentido?
Procuramo-lo.
Na carreira. No amor. No aplauso.
Na
certeza artificial das rotinas.
Como se o mundo devesse,
obrigatoriamente, oferecer um propósito.
Mas o mundo raramente oferece sentido.
Dá-nos
interrogações.
Dá-nos mapas sem escala.
Dá-nos o
absurdo como cenário de fundo — e espera que saibamos dançar
mesmo assim.
📜 Talvez seja isto:
Há um portão.
De ferro.
Entreaberto.
Não convida
nem repele.
Está lá — como um gesto.
E quem o desenha, quem o vê, quem o compreende,
já
está do lado de cá da lucidez.
Mesmo que do outro lado esteja só a Coisa Nenhuma.
Ou o
silêncio.
Ou nós próprios.
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