Piação dos charales do Ninhou





[Cenário: Taberna acanhada em Ninhou, final de fusca. Uma borboleta tremeluz na parede. Dois homens sentados à mesa, com duas babosas à frente. O almocreve limpa o Zé Pedro com um guardanapo. O vendedor de meníseas chega da rua, com uma pirota velha e cheia de pó.]

ALMOCREVE:
Ó carranchano! Já vens da ronda pelos casais?

VENDEDOR:
Sim, senhor! Fui até ao Segundo Casal Grande, vendi duas meníseas a uma rodilha regateira e ainda ambrosiei se passava pelo Casal Médio a ver se mirantava os campinos novos da época!

ALMOCREVE (a rir):
Deves ter jordado o neto todo em gasolina pra essa pirota... ainda por cima, chegas aqui todo mirrado! Anda, senta-te e abobra um pouco.

VENDEDOR (senta-se):
Não digas isso! Ainda ontem garganteei pela estrada fora com o renhomnhom do Zé da concertina. Aquilo sim, anima um quadrazal inteiro!

ALMOCREVE:
E as meníseas? São daquelas com risca fina ou as grossas de lã de cabaneira?

VENDEDOR:
Trouxe das boas, feitas pela videira do Artur. A mulher tem uma mioleira afinada! E olha, até pus uma fotografia das meníseas no bruxo, mandei pelo tece-tece ao meu patarraz da ladina.

ALMOCREVE:
Pois, pois... isso é tudo piação! Mostra-me é as meníseas com os olhos, que eu cá sou do tempo das alexandrinas em papel. Nada de borboleta falsa no bruxo!

VENDEDOR (abre um saco e mostra uma menísea):
Toca, sente esta lã. Mais quente que um terraizinho na cama no pico da fusca!

ALMOCREVE (toca a menísea):
Hum... esta menísea vale um bom neto. Mas cuidado, que o último remexido que fiz contigo veio com mais bodelha que lã...

VENDEDOR (ofendido, mas a sorrir):
Eh lá! Que tosadeira! Nunca te vendi uma menísea que não fosse de verdade. Olha que me fazes parecer um senhor antónio...

ALMOCREVE (piscando o olho):
Tás ronquinho ou fazes-te? Vá, traz mais duas babosas, que esta menísea até me tirou o frio das perneiras.

VENDEDOR (chama o taberneiro):
Mais duas babosas! E traz umas albertinas também, que a sesta foi dura.

ALMOCREVE:
E depois tarrantamos um bocado na loja do Jaime. Dizem que há latina nova lá ao lado.

VENDEDOR (erguendo a caneca):
A Minde, à videira que nos pariu e à menísea que nos aquece!

ALMOCREVE:
E ao neto que nunca chega, mas que se gasta como se caísse do rinchão!

[Ambos brindam e riem, enquanto o tece-tece da taberna começa a tocar uma velha do renhomnhom gravada por um bruxo de Casal Grande.]



Palavras em minderico abobrar - descansar; alexandrinas - fotografias; ambrosiar - pensar, cismar, achar; albertinas - bolachas; babosas - cervejas; badelo - língua; bodelha - mentira; borboleta - luz; brancano – leite; bruxo - computador; Casal Médio - Santarém; cabaneira - vaca; campinos - melões; carranchano - amigo; fusca - noite; gargantear – cantar; jordar – fazer, gastar, despejar, desperdiçar; latina - missa; Casal Grande - Lisboa; Segundo Casal Grande - Porto; mioleira – testa; mirantar – ver, observar; Ninhou - Minde; nazaré - banho; neto - dinheiro; mané fezes - cigarro; patarraz da ladina - genro; perneiras - peúgas; piação - conversa; pirota - motorizada; quadrazal - mês; remexido - negócio; renhomnhom - gaita de foles ; rinchão - comboio; rodilha - sogra; ronquinho - surdo; senhor antónio - marido atraiçoado pela esposa, corno; sesta - semana soletra - livro; tarrantar - dormir; tece-tece - Internet; terraizinho - criança; Terraizinho Judaico - Menino Jesus; tosadeira - boca; toupeira do ferreiro - charrua; videira - mãe; videiro - pai; vista-baixa - porco; Zé Pedro/Rodapé - bigode


Comentários

Mensagens populares deste blogue