A Metade que Falta

Há momentos que parecem incompletos, mesmo quando são belos. Como se faltasse neles uma metade invisível — não uma coisa, nem uma pessoa em concreto, mas um gesto, um olhar, um estar com.

Falo da partilha.
Não da partilha ruidosa, feita de palavras e explicações, mas daquela presença silenciosa que faz com que um instante deixe de ser apenas nosso para se tornar comum. Aquela partilha onde o mundo ganha eco — e, de repente, aquilo que sentimos encontra morada em alguém.

Há dias em que tudo corre bem. O dia está bonito, o mundo parece calmo. Mas, por dentro, há uma ausência difusa. Como um filme visto numa sala escura onde, ao nosso lado, não há ninguém para murmurar “viste isto?”. Ou como um pôr do sol que se espalha em cores magníficas e nos deixa parados, sozinhos diante da beleza — sem uma alma que diga: “sim, estou a ver contigo.”

A ausência de partilha não tira o valor ao momento. Mas tira-lhe espessura. Porque há alegrias que só se completam quando se partilham. E há silêncios que só fazem sentido quando são cúmplices.

Ser visto, mesmo sem palavras. Ser sentido por alguém, sem precisar explicar. Não é uma exigência. É um desejo humano, antigo, simples. E, quando não acontece, algo em nós fica suspenso, como um gesto que não chegou a ser concluído.

Guardo, por isso, um lugar ao meu lado. Num banco de jardim, numa ideia bonita, numa emoção que me atravessa. Não sei se alguém virá. Mas continuo a deixar esse espaço livre. Porque há coisas que só florescem quando partilhadas.

E eu, apesar de tudo, continuo à espera da primavera.


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